Muitos de nós já percebemos que se continuarmos pensando e agindo como estamos vamos nos auto-sabotar. Os padrões mentais que utilizamos para compreender o mundo estão nos levando à nossa própria destruição. Precisamos mudar esse sistema antes que seja tarde demais!
A arte pode ser uma ferramenta para nos ajudar nesta mudança. Como um espelho da sociedade, nos mostra as mudanças nos padrões de entendimento que a humanidade percorreu através dos anos. Ao analisar as transformações em nosso pensamento enquanto civilização podemos ver o ponto em que chegamos e juntos poderemos mudar o curso da História.
Durante o Renascimento, a arte ajudou os humanos a evoluírem sua consciência com a invenção da perspectiva. A técnica de representação da cena em profundidade gerou uma nova percepção do espaço e uma nova dimensão se abriu diante dos olhos da população pós-medieval. Antes, as coisas do mundo eram vistas em duas dimensões, refletindo a relação muito próxima que tínhamos com a natureza.
O homem não se via separado da natureza, por isso a representação chapada, em duas dimensões, desde o Egito até os afrescos romanos. Giotto foi quem colocou o espaço pictural como continuação do espaço do espectador, essa técnica atingiu seu ápice com Leonardo Da Vinci. A abertura para a terceira dimensão é resultado de uma transformação mental, quando deixamos de observar as coisas como elas são e passamos a criar sistemas abstratos para compreender o mundo. Essa maneira de ver acabou afastando o homem da natureza.
A Razão trouxe para as pessoas uma nova consciência delas mesmas e isso gerou uma ampliação do sentimento de individualidade e portanto separação do mundo. Essa foi a primeira grande transformação da consciência que levou a humanidade do sistema mental místico para a era racional e a arte foi a ferramenta perfeita para difundir essa nova percepção.
Quando começamos a abstrair as coisas do mundo real, levando a um plano mental, nos afastamos e nos desapegamos delas. Ordenamos e categorizamos as coisas de acordo com um sistema mental que criamos. Arte, História, tempo e espaço são concepções que geramos para compartilhar nossos entendimentos e caminharmos juntos para uma evolução. Porém, essa maneira que inventamos de ver as coisas não está nos ajudando a evoluir, pelo contrário, está nos levando à destruição. A percepção de tempo que criamos, muito aquém da ordem natural das coisas, gerou uma crise de ansiedade. Vivemos correndo contra um tempo que estabelecemos e que na verdade não existe. Mas podemos mudar se nos dermos conta de que tanta intelectualidade nos separou da natureza, a força original, e que também nos distancia da espiritualidade, nossa fonte de energia vital que nos dá o sentimento de integridade.
Ao darmos um passo atrás podemos ver que os blocos que sustentam nosso conhecimento são meras representações mentais. Tempo, espaço, Deus, História. Se nos desapegarmos destes contextos fixos de entendimento podemos ver que espaço e tempo não existem e que esses contextos são mutáveis, assim acordamos para construir um futuro melhor.
A arte abstrata pode nos ajudar a acordar. O Dualismo de Descartes havia se tornado o padrão básico de entendimento e gerou o Iluminismo. Ao separar sujeito e objeto acabou prendendo os objetos aos sentidos criados pela mente. Nesse modelo, o sujeito que determina o sentido do objeto. Já arte abstrata é livre de sentidos fixos, é onde o objeto tem autonomia. Surgiu como resultado de uma “Crise da Representação”, quando nos demos conta de que as coisas não são necessariamente como nos passaram, que seus sentidos aparentemente fixos podem ser mudados. Veio para gerar uma forma de entendimento mais aberta. Descobrimos que as formas podem ser interpretadas de acordo com o ponto de vista de cada espectador. Em vez de gerar uma representação baseada em concepções pré-fixadas de entendimento, como na arte figurativa ou conceitual, ela funde forma e conteúdo, ou seja, a forma é o próprio conteúdo. A arte abstrata nos mostrou que podemos transcender aos sentidos pré-estabelecidos e criar uma outra maneira de ver o mundo.
Os tempos modernos são tempos de grande ansiedade. As guerras nos mostram que algo deu errado no meio do caminho. Algo está errado na nossa maneira de nos relacionarmos uns com os outros e com o mundo ao nosso redor. Essa percepção levou a uma dissolução de todas as formas compreensíveis na arte desde sempre. O Dadaísmo e o Cubismo, por exemplo, buscaram dissolver tudo para criar uma nova forma de compreensão. Isso também foi resultado da Crise de Representação durante o Modernismo. Na mesma época, ações parecidas brotaram em outros campos de conhecimento, inclusive na Ciência, com a Física Quântica, que dissolveu o universo em micro-partículas para buscar uma resposta para as perguntas fundamentais, como: De onde viemos e para onde vamos?
Devemos analisar todas as transformações em nossa forma de compreender o mundo para chegar a ver que devemos voltar para quando tínhamos uma relação mais próxima com a natureza, onde tudo estava integrado. Nossa evolução de consciência nos levou a uma separação muito grande do mundo, levada a cargo pela ascensão da racionalidade. Na verdade, não é uma volta, já que a idéia de ir e voltar no tempo é irreal. Todas as transformações estão presentes no aqui e agora, basta apenas nos ancorarmos em um entendimento que seja melhor para todos.
A Física Quântica nos mostrou que vivemos rodeados por universos paralelos, basta escolhermos em qual deles gostaríamos de viver. Está em nossas mãos. A origem está sempre presente, vamos ativar essa força originária vital para nos salvar do destino que a Razão pode nos levar se chegarmos ao seu ponto máximo, uma dissolução total. Vamos nos reconstruir nos baseando no sentimento de integridade com o mundo que só pode vir pelo lado espiritual, o lado fundamental que fica esquecido quando nos baseamos apenas na Razão para entender o mundo.
Tempo:
Arte é uma ferramenta maravilhosa para nos mostrar o que está por trás da racionalidade, e usa a própria racionalidade para isso. Depois da criação da perspectiva, o Realismo inaugurou a noção do homem no espaço ao trazer extensas paisagens que geram o sentimento do homem sozinho no mundo, buscando algo, mas o quê? Encontrou o sentimento de alma e o tempo passou a ser experimentado espiritualmente em vez de racionalmente, pois não estava sendo medido abstratamente porém sentido.
A primeira sensação de tempo do homem veio com os movimentos da terra, o céu à noite foi medido e ordenado para entender o ritmo e a dinâmica da natureza. A dualização do tempo (dia/noite) trouxe a dualização do espaço (próximo/longe). Assim nossa noção de espaço foi criada a partir da nossa noção de tempo. Por exemplo, o tempo que leva para ir de um lugar à outro. Isso gerou uma noção progressiva, linear, de tempo.
Essa forma de entender o mundo levou o homem a se afastar da natureza pois ele passou a abstrair o tempo. Levou a um plano destacado, racional, que não corresponde aos movimentos naturais da Terra. Foi a primeira entrada no plano da Razão, após despertar da mentalidade mística que unia homem e natureza. Ao deixar de lado a espiritualidade que encontrava na natureza, que o enchia e estabilizava, o homem então passou a desenvolver sua própria individualidade e subjetividade, e gerou sua própria espiritualidade com a noção de alma. Mas será que essa espiritualidade individual é o suficiente para fazê-lo se sentir pleno? Sem a integração com a natureza nos sentimos vazios, sozinhos no mundo. Mesmo com as crenças religiosas que geramos ainda sentimos falta de uma relação mais próxima com o espiritual.
Alma e espírito eram compreendidos como a mesma coisa a princípio, mas com o avanço da individualidade a noção de alma passou a ser subjetiva, individual, enquanto a noção de espírito passou a ser compreendida como inteira, integral, para todos. Abstraímos uma parte da noção de espírito para criar a noção de alma. Assim buscamos entender melhor, classificando e categorizando. Mas é apenas um conceito, uma ferramenta utilizada para gerar sentido e levar a um certo entendimento. Ou seja, essas crenças são ferramentas para direcionar nosso pensamento e vontade. Temos a necessidade de nos concentrar em um pensamento, como a fé na religião, ou um conceito em arte, para torná-las parte da nossa realidade. Utilizamos essas formas de entendimento para canalizar nossa energia. Essa percepção pode nos levar a uma outra evolução. Precisamos apenas acreditar no conceito criado, ter fé, para que façam parte de nossas vidas. Os quadros de Rothko são um ótimo exemplo disso, são formas abstratas que canalizam nossa percepção para dentro de nós mesmos. Ao gerar um sentido, ou sentimento forte, essas formas podem nos levar a uma transformação. Uma transcendência dos conceitos pré-fixados. Assim despertamos para ver que podemos criar o mundo de acordo com aquilo que escolhemos acreditar.
Projetamos uma idéia para acreditar e direcionar nossa força de vontade, traçando nosso caminho. Nenhum despertar de consciência ocorre sem projeção. Temos a necessidade de projetar nossos sentimentos para torná-los reais. Assim, as formas que criamos para carregar os conteúdos que geramos são tão importantes. Elas são as bases para construir o mundo, ou representações de mundo que vamos criar para agir. Ao agir baseado nas representações, em nossas crenças em seus sentidos, estaremos mudando o mundo físico também. Por isso precisamos nos libertar e abrir para novos conceitos, novas idéias, basta ter fé e acreditar que as coisas podem mudar. A Física Quântica veio para confirmar que as coisas mudam de acordo como as vemos. A maneira que vemos depende da maneira que pensamos, então ao mudar nossas ideias estaremos mudando a lente que usamos para ver as coisas e assim podemos mudar o próprio mundo. Para sair do padrão da Razão, precisamos sair do nosso ego e voltar à natureza, onde não há dualismo, tudo está integrado. Forças opostas como masculino e feminino, são parte de uma coisa só. O Budismo diz: você é tudo, tudo é você.
Somos todos instrumentos para criar a realidade. Por isso podemos mudá-la. O tempo, projetado e visto cronológicamente, junto com nossa concepção espacial, nos levou a um sentimento de ansiedade, de que nunca vamos chegar ao que estamos buscando. Isso devido à abstração, a racionalização, que nos separou da natureza. Essa noção abstrata de tempo é um obstáculo para a percepção do universo como atemporal e aperspectival, que pode ser visto por todos os lados como um, como no Cubismo. Devemos perceber as coisas por suas qualidades e intensidades e não separá-las e classificá-las em categorias, pois isso é uma construção mental, na natureza não é assim. Cada um de nós tem uma experiência diferente de tempo, dependendo do contexto em que estamos vivendo, porque tempo e espaço são realidades condicionais. Dependem tanto do lado subjetivo quanto do objetivo para existir e por isso é integral. São intensidades e não podem ser abstraídas e separadas para serem medidas e ordenadas racionalmente. Quando fazemos isso estamos fragmentando e distorcendo nossa experiência do real.
Einstein começou a superar o dualismo de espaço e tempo ao apresentá-los como um espaço-tempo contínuo em sua Teoria da Relatividade, onde energia e matéria são manifestações diferentes da mesma coisa. Tudo é energia, frequências. A Física Quântica é a continuação dessa concepção e uma volta para materializar as crenças budistas que viam o mundo como integral. Veio para mostrar que as partículas se comportam de maneira diferente na presença de um observador e chegamos a conclusão de que podemos mudar a matéria com a nossa atenção.
A Biologia também foi influenciada pelo despertar de uma nova mentalidade. A idéia da “Teia da Vida” vê o mundo, o planeta Terra, como um sistema integrado, interconectado. A psicologia também passou a explorar nossa constituição psíquica depois de que as amarras religiosas foram quebradas. Depois da “Morte de Deus”, anunciada por Nietzche, o homem passou a explorar dentro de si mesmo e descobriu o inconsciente. Nessa dimensão o tempo era desconhecido e precisou ser revelado de forma a quantificá-lo para suprir com a necessidade de “saber” as coisas. Jung reconheceu a existência de universos paralelos em sua teoria dos arquétipos que se baseia em uma sincronicidade de tempo. Os arquétipos existem eternamente e brotam das profundezas do inconsciente em todas as pessoas em qualquer lugar e qualquer tempo. Na verdade existem fora do tempo e do espaço. Geológicamente o tempo foi observado na natureza, como nas árvores e nas montanhas, onde as marcas do tempo podem ser vistas por níveis marcados nas encostas de morros ou em anéis dentro dos troncos das árvores. Quando percebermos que o tempo cronológico é uma invenção podemos passar a vê-lo como intensidades diferentes em vez de projetado em um sistema métrico.
A Filosofia começou com os pensadores gregos no momento em que nossa consciência despertou da integralidade para a racionalidade. Chegou aos dias de hoje com pensadores como Heidegger que dissolveu qualquer sentimento de integralidade e colocou o ser no vazio da existência, intensificando a crise existencial que estamos agora. Precisamos voltar à origem, onde tudo é integrado, para nos sentirmos plenos novamente. O Fenomenalismo, ao contrário da ontologia de Heidegger, tirou o foco do objeto e passou ao sujeito. Começou assim um entendimento mais pessoal, mais subjetivo, preocupado com a essência das coisas e sua relação com o homem. De acordo com esse pensamento, as coisas dependem da experiência do sujeito para existir, ou melhor, para serem compreendidas. Assim, a filosofia passou de uma forma perspectival, objetiva, de ver as coisas para uma forma mais aberta às intensidades, aperspectival, mais integrada e menos racional. O pensamento analítico foi superado pelo espiritual, os valores passaram a ser determinados pelas intensidades geradas na experiência. A arte segue pelo mesmo caminho.
Essa forma aberta, transparente, de ver as coisas nos mostra que não existem verdades absolutas. Nessa maneira de pensar não existem tendências ideológicas a serem seguidas. Todos os conceitos são abertos, interconectados e intercambiáveis. Nos libera assim da prisão dos conceitos fixos, dos padrões de entendimento. Essa mudança em direção à transparência, ao integral, vem com a renúncia da conceitualização. Entendemos que existem coisas, experiências, que não podem ser classificadas racionalmente, e elas entram no jogo. Pois com a racionalidade, muitas coisas que não podem ser classificadas ficam de fora. O objeto se torna essência e depende da nossa experiência para se concretizar, se tornar real. Assim, a verdade não vem pré-estabelecida, é construída por nós ao longo do caminho.
Todo sistema e leis começam a mudar com essa abertura de mente. A transparência nos mostra que tudo é relativo. Durante a Revolução Francesa, por exemplo, as leis criadas eram em sua maioria determinantes, quantificadas, baseadas no sujeito como uma abstração da vida. Com o socialismo, Marx e Hegel passaram a ver o tempo como intensidade e não abstratamente como costumava ser, tratando as pessoas como máquinas. O tempo passou a ter sentido, passou a ser visto como potencial de manifestações possíveis. A idéia do tempo como qualidade nos traz a uma percepção do presente, quando paramos de abstrair o tempo percebemos o aqui e agora. O presente é a única realidade, passado e futuro são projeções mentais. O presente não precisa se basear em concepções para existir.
Artes:
Desde o início da humanidade a arte pega uma parte da realidade e cria um conceito, uma representação. Desde as pinturas rupestres já vemos a necessidade de projetar imagens para entender a realidade. Mas naquela época os seres humanos estavam integrados com a natureza. Podemos ver essa ligação na arte egípcia também onde as cenas eram pintadas em duas dimensões, planas, juntando o homem com o mundo ao seu redor. Com a evolução da ideia do “Eu” o espaço foi objetificado e se tornou um conceito. Essa idéia de espaço foi o que permitiu criar o Realismo como forma de ver o mundo. Mas, quanto mais abstraímos a realidade criando formas para compreendê-la mais estamos limitando nossa capacidade de ver o mundo como ele é realmente. Ao optarmos por olhar através de uma lente que criamos, deixamos todo o resto de fora. A perspectiva, por exemplo, é uma ferramenta para o homem formar o entendimento do mundo e de si mesmo, mas ao mesmo tempo o distanciou da natureza ao objetificá-lo. Essa fragmentação e isolamento trouxe muita ansiedade pelo fato de não se dar conta do que é viver no mundo naturalmente.
Muitos artistas tentaram nos mostrar que a realidade está dentro de nós mesmos e que não precisamos nos sentir aprisionados aos padrões básicos de entendimento para existir. Até porque eles estão nos levando à guerras e à nossa própria destruição. Picasso e Braque tentaram nos mostrar que o tempo não era absoluto, ou seja, não era aquele conceito que acreditávamos fielmente ser verdadeiro e concreto. Nos mostraram que podemos ver a realidade como atemporal e inespacial. Através do Cubismo nos apresentaram representações multidimensionais e atemporais do todo, integrado. Ao ver o tempo como uma intensidade podemos ver o espaço como transparente. Nos damos conta de que espaço e tempo, materialidade e espiritualidade, são construções da nossa mente, são energias, e que as concretizamos através de sistemas que usamos para criar a realidade.
Dessa maneira, a arte pode nos trazer novas percepções que irão nos libertar do pensamento racional através de emoções, ativando a nossa intuição. Existem muitas coisas que não podem ser descritas ou classificadas mas que produzem um grande efeito em nossas vidas. Tentamos dominar a vida ao conceitualizá-la mas já vimos que isso nos leva à uma crise de ansiedade e à destruição, então devemos parar de tentar conceitualizar a natureza e nos entregar ao todo. Através da arte abstrata podemos sentir o universal porque é uma arte aberta. Como a natureza, ela é incomensurável e portanto absoluta, universal.
“No aqui e agora, tudo é Absoluto” diz o Budismo.
A arte abstrata pode ser absoluta porque é atemporal. Está inserida no aqui e agora. Pode ser moldada de acordo com qualquer ponto de vista de qualquer pessoa, seu significado nunca será fixo. Pode mudar sempre, dependendo de cada experiência e interpretação. O Realismo, por outro lado, pretende que todos vejam da mesma maneira. Devemos dar um passo atrás e contemplar as formas como elas são, não como nossa mente conceitual as direcionam e moldam. Na arte abstrata podemos contemplar livremente, deixar os pensamentos surgirem e assim podemos perceber o que verdadeiramente está dentro de nós. Como na meditação, a arte abstrata pode provocar o auto-conhecimento, experiências que podem levar à iluminação.
A música também pode ser contemplada assim. Se deixarmos os padrões de ritmo para trás podemos perceber outras frequências, baseadas na intensidade de cada som. Pode parecer estranho, mas será possível sentir mais o som, criar expectativas, pintar com as sensações. Algumas músicas chegam à total liberdade de harmonia, melodia, ritmo e forma. Como por exemplo Schoenberg em “Seis peças para Piano”. A tonalidade na musica é como a perspectiva na pintura, ambos superam o dualismo para abraçar as intensidades e qualidades da vida. Muitos não vão entender porque estão acostumados a ouvir através de um sistema racional. Mas devemos nos entregar e abraçar essas tentativas da humanidade de despertar a aperspectividade e deixar o espiritual correr livremente.
A música constrói e sustenta a comunidade através da emoção. Mas a arquitetura é uma arte ainda mais social que a música. A arquitetura contemporânea determina o modo de vida social. A Bauhaus é um ótimo exemplo da dissolução da perspectiva e da transformação do espaço em espaço-tempo na arquitetura. Uma nova noção de espaçamento apareceu referenciando os efeitos da mecanização e dos automóveis, como no Futurismo. Tempo e espaço são representados sem perspectiva. A inclusão da dinâmica do elemento tempo dissolveu a rigidez do espaço e o fez fluido, como nas formas orgânicas de Niemeyer. O tempo qualitativo transforma as formas rígidas, fechadas, em formas dinâmicas e o espaço se abre. O dualismo é superado quando a oposição entre interior e exterior é superado. Se tornam transparentes com suas paredes de vidro e interiores abertos, como o Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro. Tudo se torna integrado. Na pintura, Fernand Léger explodiu as paredes da galeria pintando formas tridimensionais nas paredes, superando o espaço fechado e abrindo outro plano aonde antes havia uma parede.
Delacroix foi o primeiro a usar a cor pra gerar tonalidades emocionais. O uso de cores complementares pode trabalhar nas profundezas da nossa consciência e trazer emoções além da Razão. Delacroix rejeita a linha já que não aparece na natureza, é uma criação mental que existe apenas no nosso cérebro. Cézanne também rompe com a noção renascentista que vê o espaço como uma linha (perspectiva) e traz a noção do espaço como uma curva, uma espiral contínua. Essa nova percepção traz uma mutação em sua natureza, a da terceira dimensão, onde um terceiro ponto é criado pela abstração do espaço e entra para a quarta dimensão, onde tudo está integrado. Assim, a obra de arte se integra ao ritmo universal, não está mais isolada em um mundo fora do tempo e espaço, congelada em sua autonomia.
Em Cézanne, a arte se torna um componente integral do universo em movimento. Em suas naturezas mortas podemos ver os objetos de cima e de perfil ao mesmo tempo. A pintura moderna não dispensa a perspectiva mas a supera. Na quarta dimensão o espaço é esférico, a profundidade é superada por um processo dinâmico, que se transforma continuamente. O tempo então aparece como integral. Ao superar a perspectiva e outras sistematizações racionais, Cézanne quebrou com o dualismo da relação sujeito/objeto, integrando o espectador com a pintura ao fazê-lo sentir em vez de ver a pintura racionalmente. Como no Cubismo, que chama o espectador para participar da tela.
Buscar a participação do espectador e juntar arte e vida é a principal preocupação da Arte Contemporânea. Minimalismo, performance, pintura de campo aberto, a arte relacional, muitos artistas seguem a ideia de que o espectador deve completar a obra. A teatralidade do Minimalismo depende de sua platéia, assim como na performance, mesmo se for registrada para ser vista depois. As grandes telas do expressionismo abstrato de campo aberto, como nas obras de Barnett Newmann por exemplo, provocam o espectador a contemplar e buscar o sentido dentro de si mesmos, gerando um auto-conhecimento. As grandes instalações de luz de James Turrell também são assim, a percepção vira foco do nosso pensamento e a nossa própria presença é despertada. Já a arte relacional depende do espectador físicamente, peças interativas são uma grande parte do movimento que inclui artistas como Yoko Ono e Rikrit Travanija.
A arte nos conecta a outras dimensões, além da racionalidade. Conexões inconscientes podem ser feitas e novas realidades podem ser criadas. A imaginação é a chave para transformar as coisas. Objetos que normalmente são conhecidos sob um significado podem ser transformados em outras coisas com sentidos e usos completamente diferentes. A arte pode nos mostrar o que está por trás do que estamos acostumados a ver, pode nos mostrar as raízes do mundo. Pois existe muita coisa além, invisível para o olho. A arte nos mostra a estrutura secreta das coisas. Tudo depende de como vemos. A essência das coisas está dentro de nós mesmos. Podemos mudar as lentes a partir da qual vemos o mundo e assim mudar a forma como as vemos. É desta maneira que podemos criar nossa própria realidade.
A linguagem também reflete as mudanças estruturais e mutantes que ocorrem durante o percurso da nossa civilização. A poesia é uma forma de escrever a história do que está fora do tempo, é um registro de emoções e essências, uma afirmação dos eventos invisíveis. Em Holderlin o tempo se torna presente. A linguagem se transforma de descrição a pulsão de se expressar totalmente em forma de intensidade e significação. Uma declaração de uma atenção elevada. As palavras passam a serem tratadas como qualidade em vez de serem somente meios para um fim. As palavras não são mais apenas referência mas existem em si mesmas como entidades sem a necessidade de um contexto.
Emoções e sentimentos físicos se tornam parte da prosa, o tempo irrompe com uma espacialidade intangível e alcança além do mundo físico, lá onde nossa alma se integra ao espírito das coisas. As energias da psiquê, uma vez negadas pela racionalidade, se torna conteúdo novo. Isso leva a movimentos de fluxo de consciência na Literatura. Proust quebra com a progressão linear apresentando o tempo como intensidade, que vai e volta relativamente, de acordo com os sentimentos do personagem. Assim, o dualismo de sujeito e objeto, do mundo interior com o mundo exterior, é superado pela relação do sujeito com o seu mundo interior e o tempo se torna subjetivo. Passado e futuro estão presentes no agora, e tudo é visto ao mesmo tempo. Espaço e tempo são integrados. James Joyce em “Ulysses” também mostra o agora como o acontecimento universal de passado e futuro, e qualquer lugar, ao mesmo tempo. Espaço e tempo explodem em uma abertura integral e a eternidade se faz presente. O indivíduo se torna participante na significação total do mundo, na grande rede de interconexões de sentidos. Isso é espiritual.
Novas Posições:
A consciência é o que nos faz perceber a nós mesmos. Sem nossa consciência seríamos como zumbis. Se dermos um passo atrás para olhar nosso ego vemos que é apenas uma parte de nós, com esse posicionamento e percepção podemos evoluir. A arte pode nos ajudar a atingir essa percepção ao mostrar que muitas coisas que aceitamos como fatos são apenas projeções de nossas mentes e que podem ser mudadas de acordo com nossa forma de vê-las. Com esse artifício, ou melhor, essa lente, podemos perceber que existem muitas outras dimensões além do que normalmente percebemos, pois percebemos apenas o que é filtrado pela Razão. Com esse entendimento estaremos livres para explorar o desconhecido. Se muitas pessoas passarem a compartilhar da mesma sensação ela se tornará universal e muito mais poderosa.
Podem se perguntar: Mas então como vamos saber se algo é real e verdadeiro? Nós sentimos. Quando eventos se juntam em um contexto unificado ele se torna real e nós o sentimos como uma experiência vital. Não há como negar, se sabe, se sente, se acredita e isso a torna uma experiência real e verdadeira. Não precisamos da Razão para alcançá-la. Apenas precisamos sentir. Sentir a força unificadora de fazer sentido. Se conseguirmos canalizar essa experiência de sentido e expandi-la universalmente ela se tornará muito poderosa a ponto de transformar nossa forma de experimentar o mundo e assim deixaremos a Razão de lado para entrar na sensação. Precisamos que todos percebam isso para que possamos evoluir.
Essa experiência vital de sentido de verdade vem de uma forma irracional de pensar, a racionalidade é apenas uma lente pela qual projetamos nossa visão de mundo, não a sentimos nas profundezas do nosso ser. Devemos perceber as coisas através do nosso coração e não das nossas cabeças e isso não é um retrocesso mas uma evolução. Devemos estar cientes das diversas formas que podemos perceber a realidade para poder escolher como a queremos viver, isso é evoluir.
A consciência desperta será efetiva quando todos a compartilharem e participarem universalmente. Períodos de mutação são tempos de distúrbio e até de destruição. O homem é o veículo pelo qual devemos realizar uma nova possibilidade para o mundo. Devemos nos conectar a essa nova forma de pensar, o mais rápido possível, antes que continue destruindo o mundo para nos mostrar que estamos no caminho errado. Devemos reconhecer essa nova consciência dentro de nós como uma sensação plena e entender que esta é a direção certa. O futuro está dentro de nós.
Antes tínhamos a necessidade de uma representação exterior para nos mostrar o caminho. Muitos vieram em forma humana, como Jesus, Platão, Leonardo Da Vinci, etc. Mas não precisamos mais de representações, podemos encontrar a verdade dentro de nós. Precisamos apenas acreditar e conectar para reformular o mundo. A fé e o conhecimento, ciência e religião, tudo se une em uma coisa só enquanto buscamos a verdade que surge da fé. A realidade é aquilo em que acreditamos!
Quando nos tornarmos capazes de renunciar a posição exclusiva da estrutura mental, assim como o homem místico renunciou a magia, será possível evoluir para o integral, atemporal e aperspectival. Mas isso não quer dizer que os sistemas mentais deixarão de existir, o pensamento místico e o mágico estão ai, eles se sobrepõem no mesmo tempo e espaço, ou melhor no não-tempo e não-espaço. Essa conexão integral é a evolução de todos os sistemas mentais passados em um só. Agora podemos ver além cada estrutura para entender tudo junto. A presença do além no aqui e agora, da morte na vida, do transcendente do iminente, do divino no humano, tudo se torna transparente quando o dualismo deixa de existir.
Essa nova atitude será consolidada apenas quando o indivíduo se desprender do ego. Enquanto nossa forma de pensar ser exclusivamente centrada no eu ela será apenas um fragmento da realidade, não será possível experimentar o todo. A consciência de si é característica da estrutura mental, a libertação do eu é característica da consciência integral. Não devemos determinar uma coisa ou outra mas aceitar ambas como relativas, abertas, livres!
A tecnologia de hoje reflete a estrutura integral de consciência, a internet e o pensamento em rede acaba com o espaço e tempo pois tudo existe em uma esfera à parte, sem espaço e tempo. Isso já havia ocorrido quando as ondas de rádio, como um fluxo de informação, quebraram barreiras físicas de espaço e tempo. A humanidade já vem desenvolvendo essa mentalidade integral há muito tempo e agora está se concretizando. Mas não devemos romper com o passado, pelo contrário, devemos usar nossa herança para fazer sentido do mundo. Não podemos dissolver nossas crenças como no Modernismo que buscou apagar o passado e dissolveu várias crenças que constituíam nossa noção de realidade. Devemos acreditar no poder da humanidade e levá-lo conosco na evolução para um mundo melhor. Não dissolver tudo e criar um novo, pois a dissolução leva a mais destruição.
Desde o pronunciamento da morte de Deus existe o perigo da morte do Homem. O Homem não percebe o divino pois o racionaliza. Assim como a idéia que temos de consciência. A consciência vai além do tempo e espaço, não pode ser concretizada conceitualmente já que a conceitualização trata apenas de abstrações e absolutos. O pensamento se fecha imediatamente, já que nesse processo de dedução discursiva o pensamento sempre exclui uma abertura em sua compulsão ao sistema. Em vez de distanciar a nós mesmos da origem desta maneira devemos libertar a origem ao experimentá-la através do espiritual. Ao alcançar a consciência aperspectival e integrada podemos ver a concretização do espiritual dentro de nós mesmos. Antes podíamos apenas realizar o espiritual na escuridão das nossas emoções durante o período mágico, na alvorada da imaginação no pensamento místico e na clareza do pensamento abstrato mental. Agora, com a manifestação concreta do espiritual, o pensamento se torna transparente. Uma transparência de espaço e tempo, de luz, de matéria, de alma, vida e morte. Tudo é espiritual. Transcendente.
Ao buscar essa transcendência podemos superar a ansiedade de nossa época ao entender que tudo é um. Encher o vazio com o sentimento de que podemos sentir a substância daquilo em que acreditamos. Quando usamos a racionalidade para construir nossas crenças elas ficam vazias. Podemos tentar encher o vazio com abstrações e representações mas vemos que são apenas projeções. Vemos o mundo como representação em vez de real. A pessoa íntegra, sem ego, percebe a si mesmo em união com o mundo, a forma espiritual de ser no mundo, percebe o todo e entende que a transparência está presente na origem e atinge a transcendência. Para essa pessoa não existe céu e inferno, esse mundo ou outro mundo, tudo é uma coisa só e o vazio se torna plenitude. Assim voltamos a origem, na verdade percebemos que a origem sempre esteve presente.